A arma de palavras que lhe
apontavam à cabeça era pior que qualquer metal frio que lhe tocasse as
têmporas. Sempre fora assim. Ameaças subtis que construíram um ser frágil e
amedrontado. Oh Deus, se soubesses quanto ela sofria todos os dias!
Mas ela já tivera esperança. Sim,
já a tivera, há muito tempo, quando a juventude ainda a fazia sonhar uma vida
de cor, pacífica, luminosa. Fora há
muito tempo. Antes das rugas consumirem a sua expressão cansada. Os anos
tinham-na atropelado cruelmente contra a linha do comboio. Nesse tempo lhe
apareceu ele, aquele corpo tão jovial, tão cheio de felicidade para dar. Em
toda aquela luz que ele emanava do seu corpo, ela vira a imagem do que sonhava
e, por momentos, teve os seus dias verão, quentes e tão brilhantes. Prometeu
amá-lo para sempre, colocando-lhe o anel no dedo longo e perfeito que em tempos
gostou de segurar.
Agora, quando olhava para o seu
anel, via o ouro velho e sujo de quem se farta de viver. Mas de tão apertado
nunca fora capaz de o tirar. Estava a entranhar-se pelo seu dedo fino e ia
consumindo a sua carne, como uma sanguessuga chupa o sangue da presa numa
velocidade lenta e mortal. Tanto que ela queria que aquela sanguessuga lhe
tirasse tudo rápido para poder sucumbir-se ao destino o mais breve que pudesse.
Toda a morte seria melhor que a violência prolongada que vinha a sustentar nos
seus ombros fracos.
“Amor”, ouvia ela por vezes ao
longe. Amor?! Amaldiçoava-o e acreditava na sua inexistência. Amar, para ela,
era para os parvos, os doentes da solidão e do sonho que, para ser felizes,
precisavam de encontrar a felicidade num outro alguém. Mas que dependência
essa! Que sentimento este que tão cruel os faz correr à procura de algo que
lhes dê esperança. Mas que crueldade essa existência! Porque não poderão ser
felizes sozinhos? Toda a felicidade que encontrara nele fora-lhe retirada como
quem tira o doce à criança já convencida que o vai comer. E então chorava,
chorava por não saber levantar-se e sair porta fora sem olhar para trás. Por
não saber como abrir a porta, como abandonar tudo. Tinha medo. Tinha tanto. Por
isso não se levantava, não fazia nem sequer intenção em mover um músculo para
sair do canto escuro onde se encostava a chorar.
O som cortou o silêncio. O seu
olhar focou a porta, cansado, envelhecido. Os passos foram subindo as escadas,
fortes, mortíferos. Chamava-a em gritos destorcidos, de um horror sombrio. E
ela ia ouvindo o destino a aproximar-se dela, outra vez, para a corroer mais um
pouco até se fartar e voltar mais tarde.
Oh
medo! Oh Deus que nunca a acudiste! Oh morte! Oh cruel destino! Que a matem,
porque ela tem medo de viver.
Que se ajudem as vítimas de violência doméstica. Não são tão poucas quanto isso. Que as ajudem a não ter medo de serem livres. Uma das instituições de apoio à vítima, é a APAV, que se divide em ajuda a várias vítimas, incluindo de violência doméstica. São instituições como esta, os suportes a decisões que podem mudar uma vida. Já sabem, caso saibam de alguém nestas condições, masculino ou feminino, ajudem.