sábado, 29 de dezembro de 2012

Em vossa defesa, dê um murro na mesa.


A arma de palavras que lhe apontavam à cabeça era pior que qualquer metal frio que lhe tocasse as têmporas. Sempre fora assim. Ameaças subtis que construíram um ser frágil e amedrontado. Oh Deus, se soubesses quanto ela sofria todos os dias!
Mas ela já tivera esperança. Sim, já a tivera, há muito tempo, quando a juventude ainda a fazia sonhar uma vida de cor, pacífica, luminosa.  Fora há muito tempo. Antes das rugas consumirem a sua expressão cansada. Os anos tinham-na atropelado cruelmente contra a linha do comboio. Nesse tempo lhe apareceu ele, aquele corpo tão jovial, tão cheio de felicidade para dar. Em toda aquela luz que ele emanava do seu corpo, ela vira a imagem do que sonhava e, por momentos, teve os seus dias verão, quentes e tão brilhantes. Prometeu amá-lo para sempre, colocando-lhe o anel no dedo longo e perfeito que em tempos gostou de segurar.
Agora, quando olhava para o seu anel, via o ouro velho e sujo de quem se farta de viver. Mas de tão apertado nunca fora capaz de o tirar. Estava a entranhar-se pelo seu dedo fino e ia consumindo a sua carne, como uma sanguessuga chupa o sangue da presa numa velocidade lenta e mortal. Tanto que ela queria que aquela sanguessuga lhe tirasse tudo rápido para poder sucumbir-se ao destino o mais breve que pudesse. Toda a morte seria melhor que a violência prolongada que vinha a sustentar nos seus ombros fracos.
“Amor”, ouvia ela por vezes ao longe. Amor?! Amaldiçoava-o e acreditava na sua inexistência. Amar, para ela, era para os parvos, os doentes da solidão e do sonho que, para ser felizes, precisavam de encontrar a felicidade num outro alguém. Mas que dependência essa! Que sentimento este que tão cruel os faz correr à procura de algo que lhes dê esperança. Mas que crueldade essa existência! Porque não poderão ser felizes sozinhos? Toda a felicidade que encontrara nele fora-lhe retirada como quem tira o doce à criança já convencida que o vai comer. E então chorava, chorava por não saber levantar-se e sair porta fora sem olhar para trás. Por não saber como abrir a porta, como abandonar tudo. Tinha medo. Tinha tanto. Por isso não se levantava, não fazia nem sequer intenção em mover um músculo para sair do canto escuro onde se encostava a chorar.
O som cortou o silêncio. O seu olhar focou a porta, cansado, envelhecido. Os passos foram subindo as escadas, fortes, mortíferos. Chamava-a em gritos destorcidos, de um horror sombrio. E ela ia ouvindo o destino a aproximar-se dela, outra vez, para a corroer mais um pouco até se fartar e voltar mais tarde.
Oh medo! Oh Deus que nunca a acudiste! Oh morte! Oh cruel destino! Que a matem, porque ela tem medo de viver.


Que se ajudem as vítimas de violência doméstica. Não são tão poucas quanto isso. Que as ajudem a não ter medo de serem livres. Uma das instituições de apoio à vítima, é a APAV, que se divide em ajuda a várias vítimas, incluindo de violência doméstica. São instituições como esta, os suportes a decisões que podem mudar uma vida. Já sabem, caso saibam de alguém nestas condições, masculino ou feminino, ajudem.


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A mulher da minha mente

A minha mente é como uma mulher que se esconde numa caverna, dentro da montanha por detrás de uma cascata. Desgrenhada, suja, com uma postura curvilínea, vestindo peles de urso, que lhe escondem as curvas magras e brancas da tanta escuridão. Nunca saiu para lá da cascata, mas transforma a sua caverna no mundo. Não tem segredos, para ela, as paredes da sua caverna, nem a água da cascata. A caverna é profunda, com várias galerias que vão escondendo pinturas perfeitas de histórias que imaginou com pessoas que nunca conheceu, nem sabe se existem. Nas histórias, o mundo cresce dentro da caverna e ela consegue ver o sol límpido, sem ser destorcido pela água. Naquelas pinturas rupestres da caverna, a mulher da minha mente sai sem ter medo de a fazerem voltar à caverna. É limpa, numa pele branca, suave, sem arranhões que a vida lhe fizera ao longo dos anos. O seu cabelo voa suave em danças com o vento que lhe beija o pescoço. A sua postura endireita-se e cumprimenta o mundo que se ajoelha ao vê-la a passar, direita, bela e brilhante sob a luz do sol que ilumina o seu corpo. Tomara que a minha mulher saísse da sua caverna e andasse pelo mundo sem medo que o sol a queimasse mal ela se revelasse, ou que a escuridão da noite a engolisse e levasse para as profundezas da Terra. É por isso que não sai, e assim, suja pela vida, receada pelo mundo, vive na caverna, espreitando o mundo, à espera que ele entre pela caverna como entra pelas suas histórias quando as pinta nas telas das paredes de pedra. E as paredes nunca se extinguem. Há sempre mais alguma a ser a pintada. E a mulher da minha mente pinta, pinta com o sangue dos sacrificados que entraram para a sua caverna. Pinta com a vida que jaz morta num canto fedorento da sua caverna. Molha a mão no vermelho sombrio e com os dedos vai desenhando linhas pela parede, iluminada por uma tocha. E assim um novo mundo nasce da vida dos sacrificados. E enquanto não é capaz de saltar a água da cascata que a esconde do mundo, vai pintando as paredes em histórias que nunca ninguém poderá ler.



quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Companhia.

Um som.
Preciso de um som que me aqueça a alma, porque sei que seja o que for o que faz barulho está lá. 
Está lá ao contrário de tudo o que me foi abandonando ao longo do tempo, deixando-me existir apenas comigo mesma. Tenho saudades. Tenho saudades de tudo o que foi e me deixou. Tudo, tudo mesmo. Mesmo daquilo que amaldiçoei ter encontrado, mesmo aquilo que quis, tive, gostei e deixei ir embora por livre vontade. 
Tenho saudades de vocês todos, corpos invísiveis a esta luz. Mostrem-se para mim! Brilhem para mim. Façam-me acreditar que eu não vivo sozinha, por dentro desta paredes que choram em lágrimas silenciosas, transparentes. 
Tomara que esta vida tivesse mais som, tivesse mais sinais que haveria vida a viver dentro dela! Mas não, o escuro, o vazio, o sombrio, o frio, apodera-se de tudo isto meu e consome-me violentamente até saber que não resta mais nada. Não me resta mais nada a não ser viver. Viver, pesada e solitariamente, envolta neste corpo que pesa, que me dói de tão pesado. Tudo o que em mim vive chora. Chora por algo que teve e deixou partir por estupidez, por uma teimosia cega e doentia.
Porque não te ouço, companhia solitária?



quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Em manutenção!...

Parece que já anda tudo enfeitado menos o meu canto.
Já há meses que se começou a decorar as ruas, os centros comerciais, a televisão, a rádio,... e podia continuar com uma panóplia de lugares onde há muito já piscam as irritantes luzes de Natal, que de ano para ano, são sempre as mesma.
Então, já que já estamos naquela fase natalícia do mês, nada melhor que começar a pendurar as luzes, espalhar Pais-Natal que cantam "Jingle Bells" incessante e aborrecidamente num tom agudo  e destorcido, enquanto abanam o corpo.
E ainda que o Natal é estar com a família, celebrando a união, o amor que os une a todos. Nada disso, o Natal, hoje em dia, é ser ridículo e comprar compulsivamente para se mostrar que se tem nível por se ter, não por se ser. E como eu quero ser uma pessoa de nível, vou começar a enfeitar o meu espaço e a comprar prendas mesmo que não tenha direinho para isso. Não interessa. Se Deus existir, sendo Natal, ele vai-me ajudar, certamente. (ou não!).


Enquanto isso, deixo uma musiquinha para ver se pensam menos em dinheiro e mais no que vos rodeia! Queen - Thank God It's Christmas.


And God bless you all!



quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Saudades.

Tenho saudades do tempo em que olhávamos uns para os outros e sorriamos por acreditarmos na ilusão de que nos teríamos para sempre. Que ilusão, esta que me cegou tanto tempo e me fez acreditar que podia construir laços inquebráveis, que podia construir pontes que nunca haveriam de cair! A verdade é que a terra já tremeu tanto por baixo dos nossos pés, que algumas pontes acabaram por estalar. E agora, nunca passamos diretamente de uma margem para outra, não. Olhamo-nos à distância como quem imagina vidas do outro lado que nunca chegam a nascer.
Tenho pena.
Tenho pena de vos olhar e ver caras que nunca vi, vozes que nunca ouvi, corpos que nunca abracei.
Minha gente!
É triste olhar para trás e ver que aquilo que tínhamos quando a vida era ingénua, não é mais que este texto que escrevo.
Não veem? Não veem que o que construímos não é mais que algo que desvanecerá como o vento que penteia os cabelos no dia da despedida? O que teremos para lembrar então?
Tenho saudades. Tenho tantas saudades do tempo em que brincávamos até ficar de noite e riamo-nos até doer a barriga. Tenho saudades de quando todos se lembravam do todos, não porque se precisa, mas porque se gosta, gosta-se de uma maneira inconcional. Se eu contasse a vezes em que só se lembram de nós para fazer um pedido camuflado num daqueles sorrisos antigos, falsos, mas tão lindos! 
Se soubessem as lágrimas que me escorrem pela cara abaixo e caem no chão, sem ninguém para as apanhar! 
Não tenho saudades do tempo que vivi. Tenho saudades das pessoas que perdi.   


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

As maravilhosas coisas que se encontram no fundo do baú.

Não tenho nada contra. Faças o que faças, ignorando o não o que digo, não tenho nada contra. Prefiro não me importar com coisas que me importam do que me importar com algo sem interesse nenhum. Sim, continua. Finge que não existo, que caminho lá ao fundo na paisagem, muito longe para me apanhares. Não, não vou fazer qualquer intensão de correr, chamar, acenar para que me vejas. Se te importasse, vias-me como eu te vejo. E acredita que não é preciso muito para eu notar que és tu no meio da confusão. Por isso não tenho nada contra, nada contra ti. É mais para com a tua atitude impassível que quem é importante e deve ter todos a seus pés. Deus, como me irrita essa atitude, mas, ao mesmo tempo, porque haverei eu de estar tão encantada? Não será decerto pela atenção que me dás, bem pelo contrário, mas provavelmente a luta que nunca te deixei ganhar. Um dia, um dia perceberás que a distância entre a tua paisagem e a minha é muito menor do que pensas e quererás correr para mim. Ai, tomara que não me apanhes. Quero que proves um bocadinho do teu próprio veneno, e me admires de longe, como quem admira uma miragem de um oásis no deserto.
Porque me olhas assim? Porque olhas o meu riso? Não gostas que ria? Ou será mais a minha vontade de não me importares que te incomoda? Sim, quero rir para veres que não importo, mesmo que isso não seja verdade. Quero rir para não pensar que estás aí impávido a tudo o que faça. Sim, quero rir para não pensar em ti. Satisfeito? Dói, dói pensar que te tenho aí tão perto, mas mais longe do que se estivesses do outro lado do mundo.
Mas porque não vês as mesmas cores que eu vejo? O azul para ti não é azul? O vermelho não será vermelho? Não serão os meus olhos verdes e os teus dessa cor que Deus pintou perfeitamente? O que será que tu tens e eu não tenho para me olhares tão distantemente como olhas? Pareces viver nesse pedestal observando-me de longe, ainda que despreocupado. Um dia verás… Um dia verás como eu já não te vejo dessa forma mesmo querendo tu o contrário, verás.


Bem, aqui no fundo dos meus ficheiros fui encontrar esta preciosidade. Decidi perder a cabeça e partilhar! Fases, são fases da vida de um ser humano...

domingo, 9 de dezembro de 2012

Inside Out

Se ela dissesse porque tantas vezes pegava na caneta e escrevia, ninguém haveria de entender.
Talvez fosse pelo facto de que ninguém verdadeiramente conseguia entender. O feitio marcado e remarcado feito pedra dura, o sentimento a explodir pelo seu corpo fora eram, ainda assim, camuflados pelo um exterior que parecia cair se assim o mandassem.
Era sozinha.
Um corpo que deambuleava pelas ruas à espera de um olhar que vi-se o seu interior e deslumbra-se a quantidade de cores que pintavam o interior de um corpo cinzento. Mas tomara que alguém aparecesse!
Sentia-se abandonada por uma família sempre lá, incompreendida no seio de uma compreensão cega, que só queria ver o olhar ordeiro e a perna traçada, nunca o riso lançado no meio do silêncio de uma reunião de família, ou a camisola por fora das calças gastas pelo tempo por onde ela passava. Como se importasse isso para o que ela era realmente por dentro! Ela era do avesso, porque do avesso fora construída.
Queriam fazer dela uma boneca de porcelana com cabelos encaracolados, de um castanho asseado, perfeitamente colocados, pestanas delineadas pelo rimel e cara estampada de pó de arroz que escondiam as borbulhas da sua juventude. Davam-lhe vestidos para substituir as calças rotas e gastas e, em vez das sapatilhas, colocavam-lhe sapatos de salto alto nos pés envolvidos em meias brancas, de um branco transparente que não escondia as marcas das quedas divertidas no meio da relva.
Mas ela tirava tudo. Soltava o cabelo rebelde pelas costas, tirava a máscara que lhe cobria a face imaculada, deixava o vestido no chão e um sapato em cada canto do quarto, completamente desarrumado. E saía pela janela, em direção à floresta. Saltava o muro que cercava a sua casa e corria em direção ao riacho que, lá ao fundo, cortava o chão húmido da floresta.
Com ela trazia um caderno de capa preta, que se fechava com elástico, e uma caneta que a sua avó lhe dera quando ela tinha feito 14 anos. A avó fora a única que via as cores do seu interior. Fora a única pessoa que alguma vez conseguiu pintar o cinzento do seu exterior com as cores. Tomara que ela ainda cá estivesse para a ajudar a viver. Agora, vivia sozinha, num mundo de restrições e regras que não queria cumprir. Num mundo em que a obrigavam a vestir a pele de um outro alguém para que os outros gostassem dela. Não era justo porque ela nunca obrigara ninguém a pintar-se de uma outra forma.
Então, ouvindo apenas o som límpido da água pura a correr pela terra, soltando salpicos para as suas pernas, pegava na caneta que nunca deixava de escrever, e deixava-a dançar pelo papel, quase independente, marcando traços de um desafabo que mais ninguém poderia ouvir. Apenas a água, que levava tudo para longe.
E lá em casa, impávidos a tudo, os outros sentavam-se à mesa, colocando os guardanapos de um tecido branco sobre as pernas, e cumpriam as horas de jantar, olhando uns para os outros, sabendo que ela havia fugido, querendo falar, mas calados pelas regras. E ela, lá longe ria, ria com o som cómico que os pássaros chilreavam para ela, para os coelhos que surgiam e desapareciam pelas ervas e os arbustos selvagens, pintados de um verde luminoso, que cobriam o chão. Ali, ela podia ser ela, poderia ser sozinha, mas com vida.


Palavra do Ano

A Porto Editora, todos os anos, faz uma espécie de concurso para eleger a Palavra do Ano.


Em 2009 a palavra escolhida foi: ESMIUÇAR. Esmiuçar, do programa Gato Fedorento Esmiuça os Sufrágios.


Em 2010 foi VUVUZELA, aquele maravilhoso instrumento que tanto se amaldiçoou durante o Mundial de Futebol de África do Sul:


Em 2011, das maldições à querida vuvuzela, passámos às maldições ao governo de Sócrates pela sua AUSTERIDADE:




E mal sabíamos nós que agora, em 2012, é que quase nos levam a roupa!
Este ano, as 10 palavras a votos são:



O sistema de votação é muito simples. Basta acederem ao site www.portoeditora.pt/palavradoano e clicar na palavra em que querem votar. Depois, abrir-se-á uma janela em que poderão formalizar o vosso voto! Podem votar até às 23h59 do dia 31 de dezembro. Eu já votei na minha. Vamos agora saber, qual será a palavra deste ano de 2012!   

Para celebrar o que ainda de bom se faz em Portugal, trago-vos, desta vez, produto nacional: Os Anaquim. Os Anaquim são uma banda de Coimbra, que em 2010 lançou o álbum "As Vidas dos Outros". Neste álbum, está também a música Lusíadas, composta por José Rebola (vocalista), que retrata na perfeição a situação deste belo Portugal.



And, as always, God blesses you all!




terça-feira, 4 de dezembro de 2012

#1

Hoje ando num dia bastante produtivo. Produtivo no sentido de que podia passar a tarde toda a viver de música e palavras, que estaria no paraíso. Mas naquele paraíso em que o frio não congela as pontas dos dedos, até deixarmos de sentir os dedos, lenta e dolorosamente.
Sim, hoje é um dia maravilhoso para continuar a escrever aquilo que tenho aqui guardado na minha cabeça. Pena é não ter tempo. Porque se eu começar agora, de certeza absoluta, que não conseguirei parar e depois lá se vai o meu estudo (não tão maravilhoso) de Biologia. Mas para ver se o tempo vai passando e eu vou esquecendo aquilo que me aguarda até o frio das nove da noite a bater na minha janela, vou ouvindo coisas que para aqui tinha e não ouvi como deve de ser. E estes dias são sempre bons para celebrar boas redescobertas.
In The Waiting Line”, dos Zero 7, é que o vos trago desta vez. Calmo, relaxante, música boa para ouvir depois de se deixar o trabalho, deitando-se na cama, cabeça para teto, olhos fechados e com um sorriso ridículo de “Agora não faço mais nada até amanhã, que se lixe!”. E mais nada! Todos nós precisamos desses momentos de pura preguiça, em que mandamos o mundo para um sítio qualquer e ficamos só connosco, sozinhos, calmos, ouvindo a chuva a cair lá fora. E esta música faz-me mesmo lembrar aqueles dias de chuva lá fora, mas quentinho cá dentro.

God blesses you all!