São corpos prostrados ao sol que
vai queimando em pleno meio dia. Cubro-me com a sombra do chapéu e atrás dos
meus óculos escuros vou observando a multidão iluminada para esquecer o vazio
que é estar-se só entre todos. A areia cria um formigueiro nos pés e os dedos
dançam, ornamentados pelos detritos lapidados. As unhas estão mal pintadas, já
lá ia o tempo em que pintar as unhas me fazia sentir mais mulher, mais bonita,
mais tua. Mas o tempo passou e a tua ausência foi-me quebrando a vontade… e o
verniz. Já não me lembro do cheiro do teu corpo, não me lembro do som da tua
voz, nem sequer do sorriso dos teus olhos. Estou velha, consumida e descolorada
do tempo… como o verniz destas unhas. Já tenho rugas no corpo, traços que só tu
ousaste desenhar, mapas do sentimento trocado em noites que nem o frio soube
apagar. Lembro-me do teu rosto, da sensação da tua barba escura a tocar a minha
pele, do arrepio, do sol da juventude. Lembro-me da cor dos teus olhos, isso
sim. Não ouso esquecer, nem sequer permito que me esqueça. Não quero que os
dias te apaguem de mim, não quero que os dias me tirem as memórias, já que não
te tenho comigo. À sombra do chapéu vou-me lembrando e o coração vai batendo
mais vigoroso, como a onda que vai rebentando aqui à minha frente e as crianças
lá tão perto. Lembraste de quando a minha barriga começou a arredondar? Esse
teu sorriso rasgado, o abraço em que me envolveste, a alegria com que recebeste
o nosso filho… Tínhamos a vida toda estendida à nossa frente, como um tapete de
flores de primavera. Ainda hoje penso em como seria a nossa criança se não tivesse
ela sido engolida pela ruína da tua perda. Nunca pude vestir-me de branco para
ti, nunca senti o frio do anel sobre o dedo e nunca sentirei. Prometera-me a ti
e sozinha continuo.
O mar está acalmar. As crianças
chapinham os pés na espuma das ondas e os pais ao sol ficam, impávidos,
serenos. Os casais enroscam-se em toques libertinos no meio de toda a gente.
Não interessa o que dizem, o que vão pensar os donos de todos estes olhares.
Agora mostram-se ações, não se mostram sentimentos, sentimentos que eu tive
contigo e ainda hoje não consegui ultrapassar. Anos passaram. Anos passaram
sobre este corpo saudoso e hoje conto os dias para o fim das energias. Até lá,
escrevo para quem nunca lerá, escrevo para a alma que não me cerca, escrevo
para a distância que a saudade me impos. Escrevo para ti sabendo que nunca me
vais ler.