Quando o som solta o movimento e a
alma se desprende num fio de luz pela folha inacabada do papel escuro pelo
tempo, eu sou feliz. Quando os dedos dançam e as palavras se constroem em
castelos no topo da montanha da minha inspiração, eu sou feliz. Quando as
ideias fluem do meu pensamento que caminha montanha abaixo, ao longo das
margens da minha vida, eu sou feliz. O som sublime que me aquece o corpo e
abraça-me a alma vai tocando no eco do vazio da folha e as palavras nascem como
nasci eu, nuas e inocentes, dispostas a pintar a realidade do muro que me vai
acompanhando pelo caminho até à cadeira do meu descanso. E a energia se eleva como
uma montanha russa de sentimentos que me seguram os braços e beijam as mãos
para não parar, nem pousar a caneta, a minha fiel caneta, brilhante, peculiar,
independente. E a nota toca a alma, e um livro se abre com bonitas imagens que
uma parte de mim pinta, trancada num quarto branco, sentada numa mesa, presa,
amarrada a uma cadeira velha de madeira clara e forte. Não pinta sempre ela,
não. Nem a mão delicada da nota me afaga os cabelos num colo de conforto.
Tomara que me deixassem no seu calor puro e me deixassem viver nas histórias
que aquela parte de mim vai pintando lá no segredo do seu quarto sem porta, lá
no seu bloco de finas e brancas folhas de uma seda especial. Mas o som acaba, e
as palavras se extinguem como a chama da vela que vai ardendo sem parar. É hora
da melodia pousar a cabeça e dormir e eu fechar os olhos e com a minha
história sonhar.